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domingo, 15 de agosto de 2010

Qual a distinção, na esfera da Administração Tributária, entre os meros procedimentos administrativos e processos administrativos propriamente dito?

Autor: Junio Cesar de Paula, advogado, pós graduando em Direito Tributário.


O processo e os procedimentos administrativos fiscais são institutos totalmente diferentes, entretanto, parte da doutrina e até mesmo a Lei expoente da matéria, qual seja, o próprio Código Tributário Nacional tem entendido que os mencionados institutos não se diferenciam, gerando assim, grande contradição frente aos prelecionamentos doutrinários e jurisprudenciais que delineam o tema.

Consubstanciando o equivoco supramencionado, destaca-se por oportuno, o prelúdio do art. 142 do CTN, que assim prevê:

Art.142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. (grifo nosso)

Conforme aludido pelo dispositivo supramencionado, de forma contraditória o CTN ao referenciar atos que deveriam ser típicos do processo administrativo tributário os atribuem aos procedimentos administrativos, tornando assim tal matéria amplamente discutida em âmbito doutrinário e jurisprudencial.

Aprofundando mais a discussão, observa-se que para que haja a distinção entre o processo administrativo tributário dos procedimentos inerentes a formalização deste instrumento, faz se necessário expor algumas questões de teoria geral conforme passaremos a demonstrar.

Em linhas gerais podemos entender que o processo tem como função primordial ser um instrumento basilar da manifestação da vontade estatal, tanto no âmbito judicial como na esfera administrativa, o que difere do procedimento.

Neste prisma, com o processo tributário não poderia ser diferente. Por se tratar de um ato administrativo, este tem como função formalizar os procedimentos inerentes à relação exercida entre o Fisco e o Contribuinte. Um exemplo clássico é a autuação de um contribuinte por uma suposta sonegação fiscal. Neste momento cabe ao fisco como representante estatal e gestor do processo administrativo fiscal, formalizar toda seqüência de atos administrativos, constituindo a obrigação tributária, porém observando todo arcabouço principiológico e legal que regem a matéria processual, dentre eles o princípio do contraditório e da ampla defesa, o princípio do devido processo legal dentre outros.

Com este mesmo entendimento, preleciona MARINS da seguinte forma:

“a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental. A mera bilateralidade do procedimento não é suficiente para caracterizá-lo como processo. Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo.

E em modo objetivo preleciona o mesmo autor:

“o processo administrativo tributário contempla o conjunto de normas que disciplinam o regime jurídico processual aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Integra, ao lado do Processo Judicial Tributário, o Direito Processual Tributário.”

De forma elucidativa, Hugo de Brito machado divide o processo administrativo tributário em cinco espécies sendo estas a seguintes modalidades:

a) determinação e exigência do crédito tributário;
b) consulta;
c) repetição de indébito;
d) parcelamento de débito;
e) reconhecimento de direitos.

Quanto ao procedimento processual administrativo, o mesmo pode ser entendido como uma universalidade de “formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos, equivale ao rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo” , não sendo diferente na área do processo administrativo fiscal;

Sendo assim, denotamos que o procedimento administrativo fiscal, são atos específicos que em conjunto consolida a formalização do processo.

A título exemplificativo de procedimentos fiscais podemos ressaltar o art. 7° do Decreto 70.235/72 que assim se manifesta:

Art. 7º O procedimento fiscal tem início com:

I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;
II – a apreensão de mercadorias, documentos e livro;
III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.

Pelo todo exposto, entendemos que os dois institutos em referência partem de premissas totalmente diferentes, sendo o processo o “corpo” da manifestação estatal na relação fiscal, e o procedimento a “vida” que da movimentação ao corpo processual.

Bibliografia
BRASIL, Decreto-Lei 70.235 de 06 de março de 1972
BRASIL, Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21° Ed- São Paulo: Atlas, 2008.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24° Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). São Paulo: Dialética, 1993.

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